​Ser punitivo ou não ser? 22/03/2024 Psicologia e Análise do Comportamento ​Ser punitivo ou não ser? Compartilhar:

A questão que constitui o título desse texto é antiga.

Desde que a análise do comportamento saiu do laboratório de experimentos básicos e foi para campos aplicados de pesquisa e, especialmente, de prestação de serviços, o conceito, o uso e até a importância da punição foram colocados sob constante vigilância.

Acontece que quando falamos sobre punição, nós acabamos nadando em águas com correntezas contrárias. Em termos científicos, punição não traz, em si, um tom negativo ou ruim. Na verdade, punição é um processo comportamental em que as consequências daquilo que uma pessoa fez acabam fazendo com que ela pare de agir dessa forma. Já em termos populares, o termo punição reflete eventos, situações ou acontecimentos que trazem medo, tristeza ou fazem mal à alguém. Enquanto na ciência se tem uma tentativa de análise neutra, no senso comum se tem uma análise de valor sobre o termo.

Mas, me deixem tentar explicar as possíveis confusões de considerar tudo que parece “punição” como “punição”. Considerem, junto comigo, o caso a seguir:

Kai e Taylor vêm passado por problemas no relacionamento e já não conseguem mais conversar com qualidade. Toda vez que Kai vê Taylor dando risada assistindo vídeos no celular, começa a aspirar a casa usando o aspirador mais potente do mundo. Taylor, tenta mudar de lugar, mas Kai vai junto. Quando não aguenta mais, Taylor puxa o fio do aspirador da tomada e começa a gritar com Kai. O casal senta-se no sofá e passa a tarde toda discutindo a relação.

Taylor não entendo o motivo de Kai não parar de ligar o aspirador, pois isso só leva a discussões. Kai não entende o motivo de Taylor ficar dando risada no celular em vez de se divertirem juntos e liga o aspirador para atrapalhar mesmo.

Se você perceber, nenhum dos dois entende o motivo do outro continuar fazendo o que fazia, já que eles faziam de tudo para punir o comportamento que não gostavam.

Levar uma bronca e ser chamado atenção aos gritos deveria ser uma punição, certo?

Como disse Rodrigo Amarante: Não porque nem sempre.

Vamos voltar ao que escrevi no início do texto: “punição é um processo comportamental em que as consequências daquilo que uma pessoa fez acabam fazendo com que ela pare de agir dessa forma”. Não me parece que a bronca de Taylor esteja punindo o comportamento de Kai. Me parece, na verdade, que quando toda essa bagunça na comunicação deles acontece, eles passam a tarde toda falando um com o outro - mesmo que não seja uma comunicação de qualidade, eles se debruçam no relacionamento. Então, apesar de ser ruim, é a única forma de se comunicar que eles têm. Portanto, a bronca que Taylor dá em Kai acaba, na verdade, mantendo os comportamentos impróprios de Kai.

Agora que sabemos disso, podemos refinar a pergunta que está no título desse texto:

Quando ser punitivo e quando não ser?

Existem momentos em que precisamos ter uma ação para impedir que o outro faça algo que pode ser prejudicial para ele mesmo, para você ou para terceiros. Isso pode ser classificado como punição.

Isso pode ocorrer até mesmo na terapia.

Punir o comportamento de um cliente não quer dizer que você é um mau terapeuta ou que você está sendo uma pessoa ruim. Às vezes, é necessário. Joana Vartania e Claudia Oshiro trazem um exemplo maravilhoso sobre isso no capítulo 6 do livro Terapias Contextuais Comportamentais: análise funcional e prática clínica.

De forma bem resumida, elas apresentam o caso de uma pessoa que falava de maneira evasiva, lacônica e a partir de narrativas longas, romantizadas e fazendo comparações com personagens de filmes ou livros. Esse tipo de fala acaba, por vezes, dificultando sua própria forma de enxergar o mundo e de tomar decisões acerca do que precisa ser feito. Além disso, dificulta com que os outros entendam seus sentimentos de forma adequada.

Assim, um dos objetivos da terapia se tornou a modelação desse tipo de fala para narrativas mais coesas e coerentes com a realidade.

Em um dado momento, esse cliente fala: “Mas é porque ele é como um diamante que quer ser lapidado, ou ele é a areia da minha concha que caiu lá dentro, e todo esse mal que ele me fez eu posso transformar em pérola. Pra me deixar mais valioso também”.

A terapeuta, então, devolve: “É, é difícil, para mim, entender assim no concreto o que tudo isso significaria”.

A fala da terapeuta foi utilizada para reduzir as chances de que o relato romantizado voltasse a continuar. Claramente, essa abordagem foi utilizada de maneira bem avaliada pela terapeuta e foi pensada para ter seus efeitos sobre o comportamento em questão e não sobre todo o processo terapeutico.

Sugerimos a leitura completa do capítulo para que vocês entendam as habilidades necessárias para tomar essa decisão em sessão. Mas, acreditamos que esse trecho já nos ajuda a mostrar que a punição, se bem implementada (ou seja, quando usar e quando não usar), pode ser um procedimento importante até mesmo na terapia.

E vocês? Já tiveram que punir algum comportamento em sessão?

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Dr. André Connor de Méo Luiz

Coordenador Acadêmico - Instituto Continuum